domingo, 2 de maio de 2010


Apesar de ainda bastante presente no debate sobre discriminação no Brasil, a tese de que o preconceito de classe é mais forte que o preconceito racial é desmentida por todos os principais estudos feitos sobre o tema nos últimos anos, mesmo quando usam metodologias diferentes. É o que aponta uma pesquisa divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que analisou os trabalhos sobre relações sociais no Brasil publicados nas décadas de 1940 e 1950 e a partir do final da década de 1970.

Os estudos mais recentes “comprovaram que, ainda que se comparem brancos e negros de mesmo nível socioeconômico, persistem desigualdades entre eles inatribuíveis a outras fontes que não o racismo”, afirma o texto, intitulado a mobilidade social dos negros brasileiros, do consultor da Diretoria de Estudos Sociais do Ipea, Rafael Guerreiro Osório. O trabalho faz parte do projeto combate ao racismo , apoiado pelo PNUD.

A série de trabalhos produzidos nas últimas décadas, afirma Osório, também demonstra que a desigualdade racial não pode ser atribuída apenas à herança da escravidão. “A ideologia racista inculcada nas pessoas e nas instituições leva à reprodução, na sucessão das gerações e ao longo do ciclo da vida individual, do confinamento dos negros aos escalões inferiores da estrutura social, por intermédio de discriminação de ordens distintas, explícitas, veladas ou institucionais, que são acumuladas em desvantagens”, acrescenta.

A pesquisa, uma espécie de revisão bibliográfica sobre o tema, relembra que na primeira metade do século XX era comum, mesmo entre pesquisadores que contestavam a tese de que o Brasil é uma democracia racial, o prognóstico de que a urbanização e a industrialização do país contribuiriam para eliminar a desigualdade racial. Os trabalhos feitos a partir da década de 70, quando os dados sobre cor foram incluídos na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), mostram que o prognóstico não se confirmou.

Um dos estudos destacados por Osório é o de Carlos Hasenbalg, publicado em 1979. Analisando dados de seis Estados do Centro-Sul brasileiro, Hasenbalg aponta que os negros têm dupla desvantagem em relação aos brancos na mobilidade social: por razões históricas, partem quase sempre das faixas mais pobres da população (“o que resultaria em desvantagem logo de partida”, salienta o consultor do Ipea), e além disso também enfrentam barreiras que resultam em menor escolaridade e menor realização ocupacional.

Na década seguinte, um trabalho de Nelson do Valle Silva (de 1988) com base em dados da PNAD de 1976 chega a conclusões semelhantes: “os negros sofrem duplamente: inicialmente, com as limitações da origem social e, ao longo do ciclo de vida individual, pela acumulação de desvantagens sucessivas”, relata Rafael Guerreiro Osório.

Em 1994, a pesquisadora Elisa Caillaux compara a PNAD de 1976 com a de 1988. A conclusão é a mesma dos estudos anteriores. “Os resultados de Caillaux são ainda mais eloqüentes na demonstração da rigidez racial da estrutura social quando se leva em consideração que o esquema de estratificação empregado, tanto para as evidências de 1976 quanto para as de 1988, apesar de bem distinto do usado nos estudos de Hasenbalg e Valle Silva, levou à descoberta dos mesmos padrões, e, poder-se-ia dizer, tendências”, observa Osório.

O autor cita ainda estudos publicados em 2000 e 2003, em que os resultados são essencialmente os mesmos. “Resumindo em um exemplo o quatro atual da mobilidade social revelado pelos estudos relatados nesta seção, quando são tomados dois pais, um negro e um branco, ambos com exatamente a mesma condição social, se esta for baixa, o filho do branco terá melhores chances de ascender na estrutura social; se for elevada, o filho do negro correta maior risco de descender na hierarquia”, afirma Osório. E ressalta: “tal situação ocorrerá mesmo se esses dois filhos hipotéticos atingirem o mesmo nível educacional, o que pode não ocorrer, visto que há diferenças raciais na realização educacional que prejudicam os negros, para a vantagem dos brancos”.

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